terça-feira, 15 de julho de 2008

15/07/2008 - JORNAL DE BRASILIA - DF

Alerta para as áreas nobres
Joana Wightman
A qualidade de vida e a segurança nas ruas podem deixar de ser os grandes atrativos para aqueles que optaram viver no Distrito Federal. Em balanço publicado, ontem, pela Secretaria de Segurança Pública no Diário Oficial do DF, é possível perceber o crescimento da violência na região. Nos três primeiros meses deste ano, houve um aumento de cerca de 25% no número de chamadas atendidas pela Polícia Militar. O que mais chama atenção é que áreas nobres como o Lago Sul e o Jardim Botânico, se tornaram alvos da criminalidade.
As duas regiões administrativas tiveram um aumento de mais 40% no número de chamadas atendidas pela PM em relação ao mesmo período do ano passado. Logo em seguida no ranking, aparecem, empatados,Ceilândia, Guará, Parkway (40%) e São Sebastião (39%).
A situação em Sobradinho II, maior região em número de condomínios do DF, também é preocupante. No primeiro trimestre, a cidade registrou um aumento de 40% no registro de crimes registrados pela Polícia Civil, ficando à frente de áreas como o Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) (20%) e Lago Sul (17%).
Atualmente, cerca de 20 mil policiais, entre civis e militares,fazem a segurança do DF. Desse total, 15 mil são PMs e 5,4 mil policiais civis. No primeiro trimestre do ano, foram registradas 75,7 mil ocorrências pela Polícia Civil e quase 10 mil delas foram solucionadas. Nesse período, cerca de 2 mil criminosos foram presos em flagrante e 435 armas foram apreendidas.
A Asa Sul e a Asa Norte foram os locais onde houve maior redução na quantidade de crimes: 21%. Para o comandante da Polícia Militar,coronel Luís Fonseca, uma das estratégias de sucesso no policiamento foi a presença da dupla Cosme e Damião, dois PMs que fazem a segurança nas entre-quadras do Plano Piloto. "Estamos trabalhando em cima das estatísticas dos delitos e dos locais com maior concentração de crimes. Assim conseguimos rea-locar os policiais e dinamizar o trabalho da PM", destacou.
Segundo Fonseca, houve um reforço da ação da PM para coibir roubos e furtos a comércios e residências. Para o coronel, no comércio, a alta rotatividade de funcionários, principalmente em postos de gasolina, pode facilitar a ação de criminosos com informações sobre a rotina do estabelecimento comercial. O mesmo vale para a área residencial. "Em Brasília, é assustadora a quantidade de assaltos e roubos a casas", enfatiza o especialista em Segurança Pública da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Flávio Testa.
O professor destaca que a polícia privilegia os bairros nobres e que, nesses locais, existem mais investimentos em infra-es-trutura para a segurança pública. "Por mais que o governo insista em enfatizar que houve um reforço do policiamento em outras cidades do DF, sabemos que, na prática, as regiões do Plano Piloto e Lago Sul dispõem de mais policiamento e oferecem melhor segurança", avaliou.

Falta de análise de dados

Para o especialista em Segurança Pública da UnB, Antônio FlávioTesta, os dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública se baseiam apenas em registros de ocorrências e não existe uma análise pormenorizada que possa indicar as causas do crescimento ou diminuição no número de delitos.
Segundo Testa, os dois principais problemas do DF que contribuem para aumento da criminalidade são o grande mercado consumidor de drogas e o crescimento da indústria do "desmonte", que funciona abastecida por roubos e furtos de celulares, carros e aparelhos eletrônicos. O professor observou ainda que o crescimento da economia informal, como a indústria da pirataria, favorece outros mercados clandestinos como de armas e drogas.
Para o professor, os problemas nas políticas de segurança pública estão concentrados na incapacidade de prevenção e investigação da polícia. "O Estado não se faz presente e por isso há um crescimento do comportamento criminoso", concluiu. Como exemplo, o especialista destaca a situação do Entorno do DF, que sofre com o crescente aumentodos índices de criminalidade. "É uma região que está totalmente abandonada e se abastece de roubos praticados no DF", apontou. Para ele, a capital vem se tornando um filão de mercado para os criminosos de outras regiões. "A marginalidade vem "trabalhar" aqui (em Brasília)", acrescentou.
■ Migração
Segundo o especialista, sempre que há uma diminuição na quantidade de crimes é sinal que a marginalidade migrou para outras regiões. "A criminalidade não desaparece. O crime vai para aonde tem cliente", analisou. O professor ressaltou ainda que é impossível que as polícias Militar e Civil consigam cobrir todo o território do DF."O policiamento inibe, mas não acaba com o crime", analisou.
Para o professor, o Brasil ainda está engatinhando em ações de seguranças pública, mas já apresenta alguns avanços. Entre eles, o balanço da criminalidade divulgado ontem. "Antes não se fazia isso, já é um grande avanço. Porém, acho difícil que a Secretaria de SegurançaPública faça um balanço com dados objetivos e fidedignos", avaliou.
O secretário de Segurança Pública, general Cândido Vargas, foi procurado pela reportagem, mas, segundo sua Assessoria de Imprensa,ele não irá comentar o balanço divulgado no Diário Oficial do DF. O órgão afirmou que os dados poderiam ser repercutidos com a direção da Polícia Civil. No entanto, o diretor-geral adjunto da Polícia Civil,João Monteiro Neto, informou, também por meio da Assessoria deImprensa, que não abordaria os resultados do balanço porque"desconhecia a metodologia empregada no estudo e, por isso, não poderia analisar os dados com precisão".

Mais infra-estrutura nas ruas

O comandante da Polícia Militar, coronel Luís Fonseca, avaliou que o aumento na frota de veículos da PM permitiu que houvesse um maior número de atendimento às chamadas emergenciais. "A PM está mais presente nas ruas e com maior quantidade de viaturas. Nossa idéia é minimizar a onda de furtos que cresceu ultimamente", revelou o comandante. Até março deste ano a PM contava com 1.464 viaturas.
Fonseca explicou que muitos atendimentos realizados pela corporação não chegam a se configurar em ocorrências, por isso há diferença nos números da PM e da Polícia Civil."Muitas vezes não há registro do caso e o problema é resolvido no local. E ainda existem muitas ligações que são trotes", apontou ocoronel. Ele ressaltou, porém, que nos casos de brigas entre marido e mulher, não existe mais a possibilidade de acordo no local, por causada Lei Maria da Penha.
Para Antônio Flávio Testa, os dados sobre a violência doméstica ainda estão mascarados. Segundo ele, existem altos índices de agressões em bairros nobres como Lago Sul e Sudoeste, mas as pessoas de classes mais altas ainda se sentem inibidas de registrar ocorrências desse tipo.
"Entre as pessoas mais ricas existe vergonha e medo de se expor nessas situações", avaliou o professor. Para ele, os estudos apresentados pela SSP ainda são incipientes para que se avalie um quadro geral do crescimento da violência no DF. Segundo o professor,os índices de criminalidade podem ganhar reforço com a expansão urbanana capital. "Existem estimativas que apontam que dentro de 15 anos a população do DF pode chegar a 10 milhões de habitantes. Acredito que possamos chegar à metade desse total. Brasília vai crescer muito e com isso haverá um aumento da criminalidade e maior presença do crime organizado", destacou.
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Segurança Pública disse que os dados são um mero "extrato" das operações realizadas no primeiro trimestre e que as informações não costumam ser questionadas.A SSP disse ainda que não dispunha de técnicos para explicar as informações divulgadas.